Publicações

Improbidade Administrativa: a questão da comprovação do dolo

A Lei de Improbidade Administrativa – LIA (Lei Federal nº 8.429/92) é tema obrigatório para os administradores e ex-administradores públicos, bem como para todos aqueles que celebram contratos com o poder público. 

Assim, tanto para aqueles que deixaram recentemente de ocupar cargos públicos como para os que assumiram no dia 1º janeiro postos nas Administrações Municipais, o tema da improbidade é de fundamental importância e merece permanente atenção. 

Nem todos os atos supostamente irregulares na condução da máquina pública podem ser enquadrados na Lei de Improbidade. Em outras palavras, nem toda irregularidade ou ilegalidade quer dizer improbidade administrativa.

Primeiro é necessário analisar a conduta praticada pelo administrador e se houve intenção de causar algum dano ao Erário.

Para a análise da conduta de vontade do ser humano é indispensável que se faça a distinção entre a vontade efetiva (dolo) e o seu comportamento desatento, indevido, por imperícia, imprudência ou negligência (culpa).

Essa distinção entre os elementos subjetivos “dolo” e “culpa”, nos casos de Improbidade Administrativa, é de suma importância para a configuração, ou não, dos atos de improbidade.

As condutas descritas nos artigos 9º e 11 da Lei de Improbidade Administrativa são incompatíveis com atos involuntários ou cometidos por imperícia, imprudência ou negligência. Tanto é assim que o Superior Tribunal de Justiça já pacificou que a lei de improbidade “alcança o administrador desonesto, não o inábil” (REsp nº 213.994). Para alguns casos, porém, enquadrados no art. 10 da referida Lei, admite-se a modalidade culposa, mas a culpa tem que ser grave.

A comprovação do elemento subjetivo “dolo” é necessária porque ninguém comete improbidade por descuido ou desleixo. A conduta do ímprobo é arquitetada maliciosamente, já que para ser desonesto é preciso querer. Ninguém é inidôneo por acidente ou corrupto por acaso.  

Portanto, não se podem confundir atos irregulares ou ilegais, sem dolo ou intenção de prejudicar e causar danos ao erário público, com atos de improbidade.

Dessa forma, o ato de improbidade pressupõe a existência de conduta dolosa, intencional, por parte do agente, sob pena de não restar configurado qualquer irregularidade ímproba. 

Portanto, o dolo deve ser provado em razão de que não existe conduta dolosa presumida, assim como não existe responsabilidade objetiva para os casos de improbidade, como já definiu o Superior Tribunal de Justiça (Precedentes: EREsp 875.163 e Resp nº 626.034).

A chamada Lei da Ficha Limpa (LC nº 135/10), por exemplo, prevê que ficarão inelegíveis os agentes que forem condenados às penas de suspensão dos direitos políticos em decisão colegiada, ou com trânsito em julgado, por ato doloso de improbidade administrativa. Logo a prova do elemento subjetivo “dolo” é essencial à configuração do ato ímprobo e indispensável para que essa inelegibilidade ocorra. Sem a prova do dolo não há que se falar em inelegibilidade. 

Na verdade, entendemos que as regras contidas no art. 2º, inciso I, alínea “L”, da Lei da “Ficha Limpa”, se aplicarão apenas aos condenados por atos de improbidade administrativa, por decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado, cuja condenação apresente três (03) requisitos cumulativos: 

a-) o acusado tem que ser condenado na penalidade de suspensão dos direitos políticos (não se admitem outras penalidades previstas na lei); 

b-) a decisão judicial tem que se pronunciar acerca do elemento subjetivo (o ato tem que ser doloso porque o ato culposo não se enquadra na lei); e

c-) tem que ter gerado lesão ao erário e enriquecimento ilícito simultaneamente (a decisão condenatória tem que enquadrar a conduta do agente tanto no art. 9º, quanto no art. 10, da Lei de Improbidade).

Portanto, para ser enquadrado na Lei da Ficha Limpa, não basta que o administrador público seja condenado na suspensão dos seus direitos políticos, por ato doloso, somente em razão de eventual lesão ao erário. É necessário que ele seja condenado por lesão ao erário e também pelo enriquecimento ilícito, na mesma decisão, concomitantemente, sob pena de não estarem presentes todos os elementos necessários à configuração de inelegibilidade.

 Não se pode pretender que o agente público (ou o terceiro) tenha decretada a indisponibilidade de seus bens (art. 9º) e se cale, ou mesmo que aceite a suspensão dos seus direitos políticos (art. 10), em razão de atos que, ainda que possam ser enquadrados como ilegais, não estejam abarcados pela desonestidade.

Como se sabe os agentes públicos precisam administrar os bens públicos de maneira adequada, focados no princípio da eficiência, mas devem enfrentar as difíceis decisões do seu dia a dia, sem protelá-las e sem o receio de serem acusados de improbidade, porque os atos de boa-fé, sem dolo e sem intenção de causar dano ao erário, não podem por si só serem atingidos por acusações de improbidade.

Assim, nem todos os atos tidos como irregulares podem ser caracterizados como improbidade. Eles devem ser analisados caso a caso, com cuidado. 

O Poder Judiciário deve apreciar com muita serenidade as ações judiciais movidas contra administradores ou ex-administradores públicos, sob pena de ir além da lei e, por consequência, cometer graves injustiças. 

Thiago de Carvalho Migliato é advogado, com Escritório em Brasília e com especialização pela Escola Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo. 

Fonte: http://www.politicasenegocios.com.br/Colunas/Administracao_Publica/p2_articleid/6960